Um sopro

"Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no que está oculto - e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas em profundidades do mar. Para escrever tenho que me colocar no vazio. Neste vazio é que existo intuitivamente." (Clarice Lispector)

Almas com almas

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Não sou um escritor

Poeta Cristo que não escreveu nada. Por que não se meteu entre os “doutos” da Literatura – que tinham palavras de sobra – para registrar como foi andar por sobre o mar, acalmar tormentas, multiplicar alimentos, fazer vinho da água, curar, ressuscitar, a sabedoria do futuro, o pressentimento duma morte gloriosa? Porque não tinha perguntas nos olhos; poeta estranho que não “amou a beleza do corpo, nem o esplendor fugaz, nem a claridade da luz, nem as doces melodias das mais diversas canções, nem a fragrância das flores”; poeta que não procurou o que era Deus, mesmo que tivesse observado o sol, a lua e as estrelas, e que tivesse lido “a luz limitada, a melodia arrebatada pelo tempo, o perfume dissipado pelo vento, as iguarias que não diminui o apetite, os abraços que se desfazem” dos “doutos”. Cada parte do corpo do poeta Cristo exclamou em coro: somos a natureza divina dos atributos essenciais; mas o mundo violentamente poetizava, o mundo era violado pelo nanquim, e todos os sensíveis, com medo de suas vidas passageiras, tiveram de escrever. O poeta Cristo sabia também que ia terminar, mas não sofreu de inquietações dessas de se escrever para não morrer. Veja como a Literatura escraviza: perde-se o tempo que vai se perder um dia tentando escrever as maravilhas e os horrores da existência. Poeta nas multidões de gente, e não na multidão de livros. Desertor das palavras mortas na escrita; amante da palavra viva ao léu.

Vítima dos críticos literários e dos escrevinhadores banais, o poeta das ruas Cristo. Imolado pela poesia de enfeitiçados. “Hão de vir anunciar a Justiça dEle; ao povo que há de nascer, contarão que foi Ele que o fez.” – maldita incumbência! Malditos escribas! Os escritores ordinários cheios de tradições e de muitas outras “histórias” para contar não podiam ficar com essa responsabilidade! Que se sabe do poeta Cristo? Como escrever sobre o milagre se isso é coisa da ? Cristo não se meteu com o universo seco e adiposo das palavras porque sua confiança no Divino era airosa e orvalhada; pois nos olhos que iam murchar desse poeta repousou a Verdade - os que se ocuparam de contar sua vida tiveram olhos segados; troçaram da imaginação e da fantasia do poeta Cristo, a mais cândida que já vi em todas as minhas vidas, e nas que viverei.

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