Era certo que entre as conversas de Vitória e Vicente um silêncio os abraçava, de vez em quando. Abraçava, e eles podiam sentir o próprio calor do sangue, ou o fervoroso tropel de pensamentos indômitos. Ainda mais quando estavam lá, no topo da encosta. Fazia um silêncio diferente; pois nada cessava de todo: o vento, os bichos noturnos e, absolutamente, o mar. Talvez um silêncio perturbador, porque era como se os dois voltassem a uma natureza muito antiga de suas espécies, e trouxessem à memória doce melancolia e saudade; sons mais intensos e provocantes do que os evocados pela consciência remota e primordial de um cérebro que se forma no ventre de uma mãe – eles eram transportados para o ventre primeiro da existência. A lua se fazia notável em alguns dias; um olho arregalado. Um olho.
_ Parece-me que há uma contradição.
Vitória regressou ao presente:
_ Deus não dorme à noite; nem na noite temos a liberdade de que pensamos gozar. Vê a lua? É um olho de Deus; e se pode fitá-lo. Constrange, pois é um olhar muito silencioso. Dá a impressão de que é um olhar de sonâmbulo; mas é ardiloso com sua monótona luz. O sol: ele queima. Tão sincero e judicioso olhar, que logo pune. Seríamos punidos constantemente, não fosse pela noite, o homem, eternamente um tolo pecador.
_ Pois que castigo brando nos inflige a lua?
_ Brando? Oh, creio que é o castigo mais doloroso! Sendo tão impassível, a lua, então punimo-nos. Nós mesmos nos punimos à noite; é a terrível consciência que percorre cada canto de nossas vidas, e nos acusa.
_ Não dou ouvidos à minha consciência, não à noite.
_ Já tentei fazer isso, Vitória; pode ser que a ignoremos – mas ela acha seu meio de manifestação, e não percebemos. Fumo mais nas noites. Bebo também. Faço coisas que me destroem aos poucos e, no entanto, elas me parecem prazerosas.
Vitória pensou que Vicente podia estar certo; ela logo refletiu sobre sua vida noturna; ah, o prazer que é um engano:
_ Somos enganados por nós mesmos, o tempo todo. Acredito que não há influência alguma que possa ser exercida sobre nós se não o quisermos. Até sobre o pecado podemos estar enganados... Difícil saber.
_ Somos nossos piores inimigos.