Um sopro

"Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no que está oculto - e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas em profundidades do mar. Para escrever tenho que me colocar no vazio. Neste vazio é que existo intuitivamente." (Clarice Lispector)

Almas com almas

domingo, 25 de julho de 2010

Indícios da enfermidade salvadora

Se por acaso sentir uma profunda melancolia e um desgosto pela vida, não procure de imediato psicólogos e psiquiatras; passeie os olhos por sua existência até então, reveja suas escolhas, perceba fatos que não foram superados. O mundo tem preservado por milênios “valores e conceitos fundamentais” (mas eles não são perfeitos e indubitáveis) que têm mantido o avanço de civilizações, que têm mantido o seu “rebanho” sempre adiante – ele não quer que uma ovelhinha se disperse e encontre novos caminhos, pois que há! Existe uma Ordem sobre o comportamento em sociedade para fazer do homem uma ferramenta para a evolução industrial, Ordem que reprime e censura qualquer inclinação humana indiferente aos moldes econômicos da Nação. Esta Ordem, quando foi criada, visava trazer “paz” aos homens sociais. Ora, como seria possível fazer da criatura humana, aquela que pensa, que sonha, que duvida, que muda, sensível, dona de instintos genuínos que revelam o que deve fazer uma simples máquina orgânica? Depois de milhares de anos, mesmo rodeado das mais ataviadas construções culturais, morais, filosóficas, científicas, religiosas, o homem não sabe quem é. E não é a psicologia – compactuada com a Ordem, muito menos a psiquiatria!, que fará o ser humano reacender a chama de existir, de ser, de ter liberdade, de refletir, de dominar a si próprio, de se conhecer. Depressão não é uma doença: é um dolorido despertar para a existência; não deixe essa chance nas mãos de “profissionais da saúde mental”, eles só farão reprimir e sedar, e garantir que o indivíduo que está começando a sentir sangue correndo nas veias seja covardemente afastado daqueles cujos corações bombam fluidos industriais, de espírito e de alma secos, que rangem atritando-se um no outro – os que interessam. Instrua-se, seja mestre de si, busque sabedoria, antes de ir ter com psicólogos e psiquiatras: eles estão preocupados com a “paz mundial”, não com o ser humano – com você.

domingo, 18 de julho de 2010

Contemplação

Precisava ver a beleza das ilhas que encontrei mar afora; pena que não dá para parar o movimento, e eu tive de ir em frente, deixar pra trás. Quando cheguei à praia, eu escalei o rochedo e fiquei olhando, olhando do alto... não senti saudade; será que é um grande sonho? Será que eu escrevo sonhos? Escrevo e não entendo. Quem diz que entende o sonho é um farsante. Eu estava ali, vivo, olhos abertos, ouvidos captando sons e sons, e não tive ideia nenhuma por onde começar: começar o quê? Eu já estou na metade! E nem sei quem sou; ou para onde vou. Acho que é isso: vou e sou, basta.

sábado, 10 de julho de 2010

Para além do bem e do mal

Resta a cada ser humano decidir se é senhor ou escravo.

terça-feira, 6 de julho de 2010

A enfermidade salvadora III

Do que a enfermidade me salvou? Da eterna repetição. Eu era um rato de biblioteca e era também cativo da moral. Ler muito e viver cheio de pudor eram a minha desgraça: isso é ser saudável. É saudável que se infle o cérebro de conhecimentos variados e também que se evite o mal com excesso de bondade. Eu esbanjava saúde, mas era terrivelmente infeliz. Renunciado. Resignado. Gordo. Indolente. Tagarela. A enfermidade me fez dizer sim ao que era proibido e estranho, e nessa permissão a liberdade se me apareceu resplandecente. Eu não estava livre apenas para decidir por conta própria, mas livre de mim mesmo, da vida, das verdades que os homens contam. Estar enfermo me proporcionou um passeio pelo lado negro e contrário das coisas, e ali vi inferno tão belo. Não era um inferno de almas atormentadas, correntes ou lagos de fogo: era um inferno pessoal, era o meu canto mais profundo e abandonado, coberto por heras geladas, líquen e microrganismos. Eu vi meu eu recôndito e precioso. A minha essência.