Um sopro

"Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no que está oculto - e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas em profundidades do mar. Para escrever tenho que me colocar no vazio. Neste vazio é que existo intuitivamente." (Clarice Lispector)

Almas com almas

domingo, 16 de dezembro de 2012

Adeus, amado


... Guardando na mochila, em panos, a esperança quente de um coração que se amornava pela ansiedade: mas o caminho era o mesmo de toda vez! A impressão de que nada era para sempre amedrontava suas pernas e seus olhos tremiam ridícula e cinicamente estrábicos, embora o estrabismo fosse inocente e de nascença. Ah, não ia se despedir: no quarto, a lamparina ficou queimando e havia azeite como água para o mar. “Eu parto cheia de... de quê?”, e a dúvida a encheu de: de tanto pensar ficou sem fôlego, esqueceu de respirar. Profundamente respirou; então se lembrou: “Amar é buscar, buscar é amar, e caranguejo peixe não é”... Por que diabos brincam com a mentira? Mas ela seguiu adiante, a mochila pesava a esperança de aço: “Eu vou me encontrar no olho do mundo porque o mundo me vê quando ninguém sabe”... Esperança, esperança sôfrega e zarolha: “Que vazio!”... Estava cheia de quê, mesmo? De sangue, de vísceras alegremente demoníacas, e de uma sensibilidade estertorante e bela como um quadro de pintor louco: “Estou cheia de surpresa e alegria terríveis!”. E um vento que realmente ventava avivou seus cabelos: “Sim, enquanto vivo, sou livre como meu cabelo!”... Apaixonada por si mesma e, no encanto do sonho possível, pisou numa poça de lama, belo sapato alto manchado: “Minha beleza é lama!”... Tirou os sapatos e os lavou delicadamente num córrego doce: “A lama sou eu, em fazimento, pois só me completo quando fico seca e triste”... Oh, a tristeza era a beleza maior do vaso pronto, enfim, pronto, lustroso. Sua testa brilhou no sol: “Preciso retocar a maquiagem”, bonita, fêmea. “Eu o amo!”... O grito veio de dentro: “Eu o amo e me amo por isso!”... O grito incompreensível e tolo: “Eu me amo por amor dele!”. E Deus, com seu grande olho mundano, a viu partir para a eternidade de recomeços: “Por amor de mim é que amo e realizo nela o encontro do perfeito mistério e da paixão com gosto de azul; seja feliz, curiosa pomba, que de tua pancada na vidraça faço arte inspirada”... E que saudade dessa moça; fica em paz, fica em paz. Mil olhos de sabedoria puro ouro.     

quarta-feira, 18 de abril de 2012

O pecado e a enfermidade são as sutilezas de uma incrível e nova – sem esquecer que tantos organismos já melhores existem há bilhares de anos – criatura humana. Sem eles, não dá para apurar nem a força nem a fraqueza, muito menos a sobrepujança da raça. A superioridade da minha espécie nisto se concentra: pecamos e ficamos doentes da cabeça.