Um sopro

"Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no que está oculto - e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas em profundidades do mar. Para escrever tenho que me colocar no vazio. Neste vazio é que existo intuitivamente." (Clarice Lispector)

Almas com almas

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Guerrear ou cantar?

Ah, mas já passamos por momentos difíceis. Recorda-te da época em que nossas diferenças eram oprimidas por fogo? Hoje não tememos tanto que nos matem a qualquer momento, nem nos recolhemos diante de alertas sonoros. Ainda é um risco haver tanta desigualdade no mundo, a guerra não terminou, disso sabemos. A guerra está no sangue dos Homens – melhor, nas substâncias de seu sangue. Há bilhões de anos um clima belicoso transformou a Terra, surgiram caça e caçador. Ora, onde já se viu? Se a voz não se faz ouvida, vamos explodir em decibéis de sangue. Se não ouviam Virgínia, devia ela empunhar uma espingarda? É que existem os cabeças duras e eles precisam de força, pois são selvagens feito animais endemoniados, porque nem os animais são tão malevolentes. O que sobrevive é a música. A música salva o aflito. A música salvou o outro. É que, se o músico fala na linguagem musical, o ouvinte não se incomoda. A pressão que a música exerce é branda. A voz irrita, a voz diz. A música abraça o ouvinte para matá-lo com ternura. Basta que se escolha a música certa para matar o inimigo e salvar o mundo da guerra.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

A Ilusão da super-mãe

Sem culpas. Sem sonhos a realizar, ora, que bobagem. Sua vida transcorria sem nenhum escopo ideal; não havia para essa vida dona de si e do agora qualquer futuro. Só o presente que entediava e chamava um desejo terrível de morte, que não seria morte, seria uma simples escolha de: hoje eu posso acabar. Que mais ia fazer? A falta de fantasia e de cultura, aquela que tenta dar um sentido para a vida do ser humano, tornava-o sem graça e sem esperança; e essas coisas com as quais se devaneia a espera do amanhã são perda de tempo, distrações, a vida é nada, a vida é enfeite e palco iluminado demais. O rapaz já vivia tudo o que queria no momento, feito a chuva que não espera o dia seguinte para cair, e pronto. E foi assim que ele desapareceu na correnteza de um rio, porque Virgínia se esquecera de tê-lo ensinado a nadar.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Epílogos diários

São momentos delicados e sangrentos, que explodem purpúreos, como janela que se abre para o lado do sol das nove e meia quando ainda nem acordamos direito. As pupilas são esmagadas, os olhos são espremidos por alguns segundos, descompactando-se calmamente em cores depois de um flash: verde, carmim, preta. E se desperta então para o cansaço e a velhice mesmo quando o branco é ausente, por enquanto. A manhã chama a gente sem paciência, como o filho insistente, “mãe... manhê... ô mãããe!”... e a gente fica nervoso e grita sem querer, “mas o que é, diabos?”; manhãzinha violentamente infantil com sua luz aborrecida e demoníaca e orfã, desculpe minha impaciência de adulto nervoso e estúpido, eu não sei ser pai nem mãe.