Um sopro

"Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no que está oculto - e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas em profundidades do mar. Para escrever tenho que me colocar no vazio. Neste vazio é que existo intuitivamente." (Clarice Lispector)

Almas com almas

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Tempo de banho

Um bem-te-vi cantou distante. Um sopro matutino fez tremer algumas flores. Uma criança caiu, esfolou o joelho e gritou com saúde de dor. Outras coisas maravilhosas se sucederam, no entanto, elas não pertenciam à Virgínia, bem como também não lhe cabia compreendê-las. Demorou debaixo d’água e seus dedos se enrugaram; passou tempo demais e Virgínia envelheceu.

domingo, 27 de dezembro de 2009

A arte de Virgínia

Mas temo que muito da Arte venha da sublimação; isso seria negar qualquer Inspiração? “Idealizar ou converter em algo espiritual (impulso físico ou carnal); transferir energia da libido para outro objetivo, interesse etc.”, diz o dicionário – e a psicologia. Desde a criatura humanóide àquela dos dias de hoje, a sublimação tem sido a maior e mais importante característica da raça. Porque não há compreensão; porque nem sequer existe a compreensão que o ser Humano procura, isso tem de ser muito bem inventado e esquematizado. Pela Arte? Há tantos outros meios de escapar da falta de destino; mas o artístico ainda é predominante. Eu, que sou uma coisa que não sei. Gato sabe que é gato? Barata sabe que é barata? É disso que falo; e é a partir daí que vêm a arte e a cultura. Alguns artistas exteriorizam meus “Eus” reprimidos; mas é a Arte que faz isso – eis a discórdia: para quem vai o mérito? É preciso entender que seres Humanos artistas são conduzidos por “espíritos artísticos”, e então seus íntimos explodem desvairados; de repente acontece de um deles parecer com um dos meus. E por que eu não os expresso sem depender do outro? Ora, basta que eu não fique quieta, esperando: ou canto, ou pinto, ou danço, ou escrevo; ou escandalizo – porque estapafúrdios são os “Eus” da gente.

A tolice, a incompreensão e a imundície Humana: onde é que o Humano não fede, não é tolo e nem se imbeciliza tentando compreender as coisas? Na Arte.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Virgínia: uma profetisa?

Então um vaticínio é ilusão puro-sangue? Não chegarei à verdade alguma, mas saberei que profecias são frutos duma tremenda ausência do “mundo real”. Escrevo esse livro, por exemplo, vitimada por uma doença mental; não é gracioso o que apuro? E enquanto isso durar, eu não buscarei a cura; talvez nem ao término. Porque eu toquei no nada; não sou profeta e não faço aqui adivinhações – eu faço arte. Meu “elemento tóxico” é o cigarro, e isso, francamente, não conta. De alguma maneira eu recuperei aquela aguçada sensibilidade que permitiu que hoje fôssemos racionais. Tomei como base um pouco de leitura; depois evitei distrações de todo tipo; e então a intuição se me fluiu da fronte feito água mineral. Não tenho nada o que revelar, e talvez as coisas que escrevo sejam bastante óbvias: podem ser óbvias agora que você as terminou de ler, caro leitor; antes, elas dormiam em você, submersas e insondáveis. Isto é prever não o futuro, mas o agora-latente. (O Livro Secreto de Virgínia)

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Vem nascendo Virgínia

Como sei tanto dessa mulher? Não, não de uma mulher comum, claro que não sei dos atos fêmeos – mulher como algo que designei para ser: a vida? A mulher-vida, a mulher-morte, pois eu já sou o Homem – eis a conexão. Sou sensível e não um sexólogo, apenas isso. Mas, de onde, amiúde ainda me perguntes, tirei essa mulher? Ora, de mim mesmo, de meus olhos, de meu peito, de minha bunda, de minhas leituras, de meu cromossomo X, vá saber, eu com minhas fixações metafóricas. Não dá para definir: a força dessa vida não permite limites. Dá para conhecer todos os seus erros possíveis, isso sim. Reconhecer os erros de uma vida é mais útil que rogar a Deus pelos pecadores.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Confissão


Eu já quase deliciosamente morri (mas não vi luz nenhuma, nem vislumbres, nem levitei, nem nada);
Eu nunca comi de uma barata (me dê o ímpeto de que preciso, Deus);
Eu sei que finjo saber das coisas que é pra ninguém ficar sabendo que eu lá sei;
Eu quero o que é meu e que se negam a me dar;
Eu sonho que eu acorde logo.

E você?

Discurso interno de Virgínia

...

_ Que solidão. Parece depois de uma queima de fogos de artifício. Aquela quietude; nem carro, nem vento, nem passarinhos.

_ Você não tem amigos?

_ Não tenho nem a mim mesma, vou lá ter amigos? Eu me achei – e me perdi.

Silêncio.

_ Quero morrer.

_ Ora, mas quem não quer?

_ Sei lá. Meu gato. Nunca o ouvi se queixar. Acho que ele sabe que vai morrer na hora certa.

_ E por que você não se adianta?

_ Meu espírito já está de malas prontas; o corpo é quem reluta. Que faço contra ele? Não sei se devo atentar contra meu próprio corpo; o desejo, não nego. Porque não tenho mais nada para fazer aqui e estou enrodilhada na vida feito um inseto na teia da aranha. Alguém precisa de mim para se alimentar?

_ Sim: o seu gato. Você teria coragem de deixá-lo?

_ Foi ele quem me deixou, ainda não lhe disse?

_ Não. Bem, nesse caso, pois, não haverá uma “aranha” e você terá, infelizmente, de esperar.

_ Presa?

_ Sacuda-se, reflita, pense, grite, cante, blasfeme, faça um escândalo; não tem outro jeito – logo você se esgota e facilita as coisas.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Mostra a tua cara!; digo: desmonste a tua cara!

Falar sobre a vida dos animais me dá gosto; e é tão importante olharmos para eles e sentir saudade. Pois veja se minto: na própria Bíblia está escrito que virá um dia em que “animais e seres humanos conviverão harmonicamente”. Que isso quer dizer? Qual dos dois se afastou do outro?, se é que podemos nos diferenciar deles. Por que essa “promessa”? Então a civilização e o ser Humano são e sempre foram patavina; que, o Humano, serve apenas para esgotar-se na sua “razão e intelectualidade”, ilimitado, fantasista às largas; pois se negamos nossos instintos selvagens, e negamos primatas como ancestrais, e acreditamos que do barro viemos, então não podemos ter outra conduta que não a extremamente intelectual, criticamente existencial, sem sentido, sem alegrias nem tristezas, sem amor, sem qualquer sentimento, porque isso vai acabar um dia, e se formos nos unir aos bichos, não serão eles que mudarão de comportamento; eles não vão falar ou pensar, nós é que seremos, definitivamente e naturalmente, uns silvícolas. Ou apenas não estriparemos mais porcos e galinhas, e viveremos de frutinhas silvestres? Os bichos comem-se uns aos outros. Faremos isso, também? Comeremos uns aos outros porque haverá de se ter “harmonia” entre nós e os bichos? Enquanto isso não acontece, vamos fazer de conta que somos “seres superiores”, criando “aceleradores de partículas” para mostrar aos animais que estamos em vantagem, enquanto eles se satisfazem estúpida e alegremente com “frutinhas silvestres”.