Um sopro

"Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no que está oculto - e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas em profundidades do mar. Para escrever tenho que me colocar no vazio. Neste vazio é que existo intuitivamente." (Clarice Lispector)

Almas com almas

quinta-feira, 25 de março de 2010

... e tem mais de onde isso saiu

Tem dia que quero te ver, tem dia que não. Minha cara é de fases. Não me convidem para jantares, me chamem para observar galinhas, elas são tão interessantes – e diz-se que elas guardam mistérios no andar. Se eu pudesse, ia morar nas montanhas, andar todo molambento, viver de frutinhas silvestres, longe desse mundo onde existo como um saco de carne misturado a sentimentos estúpidos, a maioria – senão todos – inventados pelos outros, por gente que nunca ouvi falar. Mas eu sou um artista. Eu sou uma excelente farsa. Sou como na arte de grandes gênios. Eu queria ser uma pessoa normal: é que invento demais e isso me afasta da realidade onde a maioria vive cheia de tradições. Mas não vou exagerar falando sobre mim, deixa-me usar algumas palavras para resumir: chuva, barata, guarda-roupa, maçã, insanidade, mau-humor, escuro, imortalidade, samambaia, aberração, moscas, gatos, cru, mar, febre, gastrite, ralo, livro, fome, jejum, anti-rugas, dor nas costas, arte, inexistências, pão, felicidade clandestina, amarelo, Corra Lola, Corra, roupa velha e rasgada, chinelo gasto, merda de passarinho, sangue, inchaço, batata, agridoce, cigarro, vontade, árvore de natal... cansei.

sábado, 20 de março de 2010

Martelo e pá na mão

Aconteceu-me de ouvir do vento o que encontrei bem mais tarde em livros. Mas o que mais me decepcionou não foi ter descoberto que repousava plácido nos livros o maior e doloroso pensamento que alcancei pela ignorância, nem tanto pela instrução: a decepção me veio contra todos aqueles que me acusavam de mentiroso quando a verdade sempre esteve presente e às fuças da humanidade; acusavam-me de mentiroso porque a sabedoria realmente estava trancada nos livros e de lá não tinham como vir à tona sem o auxílio de um mártir. Que um descuidado a encontre, é assim que acontece; ou que ele vá viver de mentiras pelo resto da vida por causa de palavras que estão enterradas em bibliotecas. Agora que li e ressuscitei uma porção de verdades, para a segurança nacional, sedaram-me e me aprisionaram, como se eu fosse uma espécie de perigoso livro vivo. Ai daquele que não tem uma pá para desenterrar um livro que sentenciaram injustamente à morte. E ai daquele que não persiste em ouvir do vento, a testemunha do crime, o seu lamento e seu desejo de vingança.