Um sopro

"Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no que está oculto - e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas em profundidades do mar. Para escrever tenho que me colocar no vazio. Neste vazio é que existo intuitivamente." (Clarice Lispector)

Almas com almas

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Plumbagina

Sou um escritor sem técnica, ignorante, entusiasmado e aberto; daquele que sempre vai achar uma escada rolante uma coisa assustadora.
Obrigado, bom Deus; nasceu da minha doce burrice o que chamo da sublimidade negra; negra de se acender uma lamparina para iluminar uma pequena circunferência ao meu redor e deixar o resto do breu lá com seus segredos; eu que não tenha medo e vá.

Novo livro:

http://clubedeautores.com.br/book/9601--O_Homem_a_Mulher_e_o_Gato_no_Escuro

Simples como não ser simples pela segurança da simplicidade.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Não sou um escritor

Poeta Cristo que não escreveu nada. Por que não se meteu entre os “doutos” da Literatura – que tinham palavras de sobra – para registrar como foi andar por sobre o mar, acalmar tormentas, multiplicar alimentos, fazer vinho da água, curar, ressuscitar, a sabedoria do futuro, o pressentimento duma morte gloriosa? Porque não tinha perguntas nos olhos; poeta estranho que não “amou a beleza do corpo, nem o esplendor fugaz, nem a claridade da luz, nem as doces melodias das mais diversas canções, nem a fragrância das flores”; poeta que não procurou o que era Deus, mesmo que tivesse observado o sol, a lua e as estrelas, e que tivesse lido “a luz limitada, a melodia arrebatada pelo tempo, o perfume dissipado pelo vento, as iguarias que não diminui o apetite, os abraços que se desfazem” dos “doutos”. Cada parte do corpo do poeta Cristo exclamou em coro: somos a natureza divina dos atributos essenciais; mas o mundo violentamente poetizava, o mundo era violado pelo nanquim, e todos os sensíveis, com medo de suas vidas passageiras, tiveram de escrever. O poeta Cristo sabia também que ia terminar, mas não sofreu de inquietações dessas de se escrever para não morrer. Veja como a Literatura escraviza: perde-se o tempo que vai se perder um dia tentando escrever as maravilhas e os horrores da existência. Poeta nas multidões de gente, e não na multidão de livros. Desertor das palavras mortas na escrita; amante da palavra viva ao léu.

Vítima dos críticos literários e dos escrevinhadores banais, o poeta das ruas Cristo. Imolado pela poesia de enfeitiçados. “Hão de vir anunciar a Justiça dEle; ao povo que há de nascer, contarão que foi Ele que o fez.” – maldita incumbência! Malditos escribas! Os escritores ordinários cheios de tradições e de muitas outras “histórias” para contar não podiam ficar com essa responsabilidade! Que se sabe do poeta Cristo? Como escrever sobre o milagre se isso é coisa da ? Cristo não se meteu com o universo seco e adiposo das palavras porque sua confiança no Divino era airosa e orvalhada; pois nos olhos que iam murchar desse poeta repousou a Verdade - os que se ocuparam de contar sua vida tiveram olhos segados; troçaram da imaginação e da fantasia do poeta Cristo, a mais cândida que já vi em todas as minhas vidas, e nas que viverei.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Bronzes e Cristais

Não sou fraco. Nem covarde. Também não fujo. Mas que há guerra, há. Faz silêncio; então enfrento uma luta espiritual. Sangue, bombas e alarmes estão na boca seca, no pulsar do coração e na alvorada com o berreiro dos pássaros. Guerreiam o espírito e a natureza e eu não tenho nada que ver com o prélio; contudo, sou o campo de batalha deles, e não consigo entender porque essas duas potências escolherem o humano para se confrontarem; o humano, eu, que se guerreei um dia na minha vida foi por fome, fome por comida, e não pelos olhos do semelhante que dessa maldade só fui saber depois; aliás, maldade nunca existiu e por isso tiveram de inventá-la. Meu corpo vibra e estala. Tomba, às vezes. Doer não dói. Os mortos e os feridos são expelidos de meu organismo no suor, nas fezes, na lágrima, na urina; ferem-me e me matam por dentro, o espírito e a natureza, e são a causa do câncer. Deviam se conciliar e me deixar em paz de humano que não sabe que sabe das coisas; eu tenho hora certa para saber. Os grandes pensam que podem me destruir; pensam que sou só mais uma criatura dentre outras milhares por aí, vagando à mercê de neurônios, músculos e cérebro sem compreender nada. Espere lá: humano é casa de Deus, portanto, que me respeitem; apesar de ser Deus quem financia essa guerra. Nem corpo eu tenho – pois não hei de ser fraco, covarde ou fugitivo!

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

"Edadirecnis"

O fato é que a incapacidade para a solidão leva a amizade e ao amor. Se eu alcanço – dolorosamente, pois não é fácil – todos os meus atributos, medos, fantasias, traumas de infância, e os racionalizo, e me ponho à distância deles para isolar o que chamam de “personalidade”, e que eu chamo de “o Eu”, então essas “evasivas afetivas” serão para distração. Não é fácil porque no começo da vida eu não escapo da imitação, da segurança na imagem do outro, e do desejo pelo outro, como se eu não existisse. Sim, não existo ainda na infância: a criança é um espírito livre, sem “identidade”, sem cara, sem sentimentos, sem nada do que os arautos Humanos pregam. Agora falo de Humanidade: e a Humanidade é vencida na solidão. Quem não conseguir dominar a solidão e fazer uso dela para se conhecer e para se negar em todos os aspectos – visto que há um momento em que se deixa de ser criança, que se aprendem coisas e que essas coisas formam as “patologias” – viverá rodeado de amigos e de amantes. Essas pessoas, eu digo, as outras pessoas, enfim, não tem nada de interessante, que não suas vias atribuladas de existência. Sabe-se muito bem que a existência é uma massa de modelar, as figuras que os outros fazem dela podem ser facilmente esmagadas e refeitas, não tem fixidez, são dissolúveis, piso e imprimo nelas a sola de meu sapato, se eu quiser. (Virgínia)

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

O sensato que tem o privilégio da insensatez

Eu quero uma viagem sem relógio no bolso. Louco? Loucos são vocês! Eu quero andar na velocidade da luz que é para explodir, e deixar rastro de estrela que derrete como uma vela. Coitada da vela acesa; assim se consome toda. Consumir-se. A velocidade é quente. Dissolve. E a cera da vela derretida tem cara de: de quê? Se eu explodir a caminho do destino, eu serei cera endurecida, monstruosa, imagem de adoração aos santos. Adoro. Eu sou para a santidade numa vela terminada. Termine com a paz podre e com os fariseus. Termine com isso.

Mulher simples que não sabe o que é o simples

Escreveu para matar o invivido; porque Virgínia tinha milhares de vidas dentro da sua já escura, e essas vidas a incomodavam. Não foi para dar um tiro no escuro, pois é o contrário que acontece: se deixar, o escuro é que nos mata. Então ela arrebatou todos os seus anjos e demônios escrevendo, para que não vazassem e a atrapalhassem que ela não queria ser boa nem má – quis se separar das tantas vidas que a gente traz no sangue, e a vida, dizem, é uma só para se viver. Por isso nunca seria um escritora, não tinha a intenção de ficar conhecida, dar autógrafos e entrevista: era matar ou morrer. Esperta essa mulher – da psicologia ela não ia precisar, nem do sacerdote, muito menos da felicidade. Que alguém fosse ler suas palavras ensanguentadas para chamá-la de escritora e para lhe dar um estilo e talvez algum elogio ou crítica, isso não a interessava; no mais, que o leitor procurasse, antes, descobrir suas mil vidas também; seria um acidente. O livro de Virgínia foi recusado: mas um dia ele aparecerá, porque ela é uma das outras vidas que tenho e que precisa ser vivida de algum jeito; ou matada.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Eu te amo?

E você sabia que o amor pode ser patológico? Bem, na maioria dos casos é. Ah, não me diga que não sabe o que isso significa? Vou ser bem clara: ninguém ama. Você entendeu agora, meu bem? Nós amamos o outro porque somos um abismo de negrumes mentais. Nós sustentamos “amores cobaias”: amigos ou pessoas próximas que usamos e que insistimos num relacionamento por questões meramente biológicas; senão, de estupidez psicológica. Você: pensa que eu te amo? Eu te uso porque não bebo. Sorte que eu escrevo. No entanto, não sou escritora; fumante, eu sou – mas cigarros não saciam, e não me dão falsas garantias que parecem possíveis de se ter, durar, florescer; se são falsas, e passageiras, então é a doce burrice que me faz te amar, que é para sempre poder ficar às margens da verdade e do entendimento, que não quero, ah, eu quero mais é ser criança; que pensem que eu não digo as coisas quando, sim, eu estou dizendo; que o que eu não mostro porque são pobres os elementos disponíveis para explicar minha inteligência é o que eu penso; que eu te ame fora do que o amor permite, palavrinha com o fedor dos doutos. Você sabe que criança é violenta e incomodamente lúcida, não sabe? Por isso amamos nossas cobaias: para não sermos adultos idiotas, que temos de experimentar com a cara e a coragem; mais com a cara, porque uma cara ferida vira arte. Isto é patológico, é incurável, e vá lá linha para pipa. (Virgínia em "O Livro Secreto de Virgínia")

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Pobre ovo frito

“Quem achar a sua vida, a perderá”: é como o tal ovo que existia por ele mesmo sobre a mesa, e que depois de ter sido visto, simplesmente morreu; o ovo morreu porque foi achado. Eu o incomodei na sua preciosa inexistência, na sua morte viva. Assim: eu estou morta, como disse, para destruir com a realidade. Se tomo consciência de mim, por completo, adeus vida – eu me suicido. Pois morto, eu quero a vida, secretamente. E vivo, só posso querer a morte, e com veemência. Deixa-me ser como o ovo que está sobre a mesa sem que ninguém o perceba; sem que ninguém o veja demorado. As pessoas me matam. Por mim, eu existiria sem saber: mas chamam meu nome o tempo todo – ovo?, ovo, responda! (Virgínia)

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Esforço

Se me permitissem escrever de outro modo, por exemplo, “num som harpejado e agreste” e “prescindir de ser discursivo”; mas sei que é perigoso. De qualquer modo, escrever é perigoso, porque mesmo as palavras “escondem outras”, e no nada, a partir do aparentemente vazio, “você arranca sangue”. Não tem como escapar dessa “cilada”; então, eu me entrego à fatalidade de escrever – cuidado para não se manchar com o muco e o sangue desse livro. (A Mulher, O Homem e o Gato no Escuro)